5º Domingo da Quaresma – Ano C

(Is 43,16-21; Sl 125[126]; Fl 3,8-14; Jo 8,1-11)

1. Um sacerdote italiano foi visitar um amigo que era pintor, um sujeito bastante modesto. Ao fim da tarde eles leram juntos o episódio da mulher adultera que acabamos de acompanhar, e o sacerdote pediu-lhe que pintasse algo em torno dessa cena.

2. O pintor permaneceu absorto por algumas horas, pois o quadro é composto primeiramente dentro dele, o que se segue é uma mera formalidade. E assim começou a traçar alguns rabiscos de maneira decidida na tela que tinha à sua frente.

3. Ele conclui o quadro e o sacerdote fica surpreso com o resultado final. O rosto da mulher ocupa completamente a cena. Tudo se concentra em seu olhar. Um olhar que exprime primeiramente medo, espanto e certa incredulidade. Seu amigo pintor havia captado perfeitamente o sentido da cena evangélica.  

4. Esse episódio nos permite adentrar ao nosso texto. Quando ela levanta o olhar, vê Alguém que a olha de modo diferente dos outros. Ela não tinha experimentado até então alguém observá-la daquela maneira.

5. A experiência que traz consigo é a de dois tipos de olhares, o do desejo, da cobiça, e o outro de condenação. E talvez, nessa cena do evangelho, os dois olhares sejam das mesmas pessoas que têm alguma pedra em mão.

6. Seu olhar se cruza com aquele de um Homem que vê nela não um objeto de prazer ou mesmo um alvo para as pedras de uma sentença cruel. Dizia uma escritora e mística francesa, Simone Weil: “Uma das verdades fundamentais do cristianismo, verdade muitas vezes ignorada, é esta: o que salva é o olhar”.

7. A adultera, tanto quanto Zaqueu, tem como objeto de sua salvação um olhar. O olhar de Cristo é, em certo sentido, criador. Chama à existência uma pessoa. Revela o seu ser autêntico, real. Extermina o canalha e chama o santo.

8. O olhar de Cristo não se resigna ao “pouco de bom” que esteja em alguém, mas quer trazer à luz, o melhor de cada pessoa. Um olhar revelador. Porque manifesta ao ser humano suas possibilidades, sua verdadeira dimensão. 

9. Alguém testemunhava em um jornal: “Conheci uma pessoa diante da qual todos se sentiam como eram, mas não só isso, sentiam o melhor de si mesmas. Quando perguntei a ela qual era o seu segredo, me respondeu com toda simplicidade: ‘Basta colocar o foco na pessoa que está diante de você como se não houvesse nenhum outro interesse no mundo, somente aquela pessoa’”.

10. O nosso olhar deve ser, antes de tudo, livre. Livre porque rompeu a prisão do próprio egoísmo, da própria comodidade, da própria indiferença, dos próprios interesses, para abrir-se ao outro numa atitude de acolhimento, simpatia, cordialidade, delicadeza, benevolência. 

11. Livre das lentes deformadas dos prejuízos, das prevenções, das suspeitas, da desconfiança. Livre de todo instinto de separação e de descriminação. As pessoas que o nosso olhar rejeita serão condenadas, talvez, a levar por toda a vida uma marca de rejeição, de solidão, de insignificância.

12. Também um olhar indiferente pode ser ‘homicida’. A sua mensagem pode ser traduzida, de fato, por algo assim: “Para mim você não existe. Nego-lhe importância e direito de viver”. Um olhar de indiferença tem a capacidade de cancelar uma pessoa. “Cancelamento”, uma palavra em voga.

13. Um olhar livre é um olhar que não se limita a tocar a pessoa que encontra. Não é um olhar apressado. Não é evasivo. Sabe parar e acolher. Acolher, mas não forçar. É necessário, a cada manhã, purificar o nosso olhar desse instinto de posse, desarmá-lo da hostilidade, agressividade, dureza. Restituir-lhe a capacidade maravilhar-se na contínua redescoberta do outro. Ver o outro como eu gostaria de ser visto, numa atenção respeitosa.

14. Escrevia Agnese Baggio: “Eu reconheço o seu direito de ser o que é. Desejo que sejas tudo aquilo que poder ser”. Somente buscando um olhar purificado, as pedras começarão a cair de nossas mãos.

Pe. João Bosco Vieira Leite