(Sb 9,13-18; Sl 89[90]; Fm 9-10.12-17; Lc 14,25-33) *
1. Esse evangelho não é um daqueles que escutamos com prazer. Por vezes o Evangelho é provocatório, mas nunca contraditório. Nesse mesmo evangelho escutamos Jesus falar em honrar pai e mãe; que homem e mulher formam uma só carne e ninguém deve separar o que Deus uniu e no entanto, aqui vem um convite a desapegar.
2. Em algumas traduções vamos encontrar o termo “odiar”. Na língua hebraica não existe o meio termo, como amar uma coisa mais que outra, ou menos que outra. Ela simplifica ou reduz tudo a ‘amar’ ou ‘odiar’.
3. Jesus pede que o amor a Ele esteja à frente, ou acima, de todos os outros amores, seja aquele a pessoas queridas (pai, mãe, mulher, filhos, irmãos), seja aquele aos próprios bens. E não se trata de amá-lo, quantitativamente, um pouco acima das outras coisas, mas de um amor qualitativamente diferente e à parte.
4. São Bento entendeu bem o que Jesus queria dizer e assim deixa a seus monges o lema: “Nada antepor ao amor a Cristo”. Alguém pode pensar: “bom, tenho mulher e filhos, não sou livre como um monge”, mesmo aqui não há desculpa em minha relação com Cristo.
5. Nesse trecho se expressa claramente o que chamamos de radicalismo evangélico. Aquele que um dia disse: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e oprimidos” é o mesmo que, de modo contrário, aqui, nos chama a refletir se temos verdadeiramente capacidade de ser seus discípulos servindo-se de duas comparações.
6. Jesus quer nos lembrar que o cristianismo não pode ser tomado como algo leve ou suave de se levar. Ele nos coloca atentos a certa tentativa de domesticar tudo e fazer da religião e de Deus um ingrediente a mais no ‘coquetel’ da vida.
7. Vamos à missa numa ocasião de festa ou em qualquer funeral, e ainda consideramos que estamos bem em nossa relação com a Igreja. A fé ocupa um nicho, ao lado de outras coisas que ocupam amplo espaço, representadas pelo trabalho, o ganha pão, a política, o divertimento, o esporte e mil e uma outras coisas.
8. Tenhamos presente que um homem que fala assim, que pede ser amado mais que o pai, que a mulher, que os filhos, ou é um louco exaltado, ou é Deus. Basta refletir e se entende que não há meio termo. Só Deus pode pretender tanto. Cabe a nós tirar a conclusão.
9. E não vou entrar aqui no terreno da busca da prova da divindade de Cristo, isto é, se ele era consciente de ser Filho de Deus, objeto de pesquisa de muitos estudiosos.
10. É importante esclarecer que estaríamos errados se pensássemos que o amor a Cristo estaria concorrendo com os outros amores humanos. Cristo não está rivalizando nem é ciumento de nenhum deles. O amor a Cristo não exclui os outros amores, mas os ordena.
11. É nele que qualquer amor genuíno encontra o seu fundamento e o seu sustento e a graça necessária para ser vivido até o fim. Este é o sentido da ‘graça de estado’ que se confere aos noivos no sacramento do matrimônio. Lhes assegura que em seu amor, eles serão sustentados e guiados por esse amor que Cristo teve por sua esposa, a Igreja.
12. Exige-nos o amor prioritário aquele que nos amou por primeiro e que não nos amou por palavras apenas, mas com o dom da própria vida. E assim somos convidados a tomar a própria cruz. O que não significa andar atrás de sofrimentos. Nem Ele o fez. Jesus veio dar-lhe sentido, ajudar-nos a perceber a dinâmica da vida e com Ele aprender a redimi-la. Como dizia Sta. Tereza: “Melhor uma cruz que se carrega do que uma cruz que se arrasta”.
* com base em texto de Raniero Cantalamessa
Pe. João Bosco Vieira Leite