1. Hoje a cruz não é apresentada aos fiéis no seu aspecto de sofrimento, da dura necessidade da vida ou mesmo como caminho para seguir a Cristo, como no domingo anterior. Hoje ela nos vem no seu aspecto glorioso, como motivo de orgulho, não de pranto.
2. Em sua origem, essa festa nos recorda dois acontecimentos distantes entre eles no tempo. O 1º é a inauguração de duas basílicas, uma no Gólgota e outra sobre o santo sepulcro de Cristo, pelo imperador Constantino em 325. O outro acontecimento, no século VII, é a vitória cristã sobre os persas na recuperação das relíquias da cruz e o seu retorno triunfal a Jerusalém.
3. Com o passar do tempo, a festa adquiriu um significado autônomo. Tornou-se a celebração gloriosa do mistério da cruz que, de instrumento de ignomínia e de suplício, Cristo transformou em instrumento de salvação. Este é o dia – cantava um antigo poeta cristão –, em que “refulge o mistério da cruz”.
4. As leituras refletem esse recorte. A 2ª leitura nos traz de novo o hino da Carta aos Filipenses, onde a cruz é vista como motivo da grande ‘exaltação’ de Cristo. Também o Evangelho fala da cruz como o momento em que “o Filho do Homem seja levantado, para que todos que nele crerem tenham a vida eterna”.
5. Essa evolução e compreensão do mistério da Cruz de Cristo vem nos revelado também pela arte. Nas antigas basílicas europeias e nos crucifixos da arte romana, a cruz vem apresentada ou confeccionada como algo glorioso, cheio de majestade, por vezes sem o Cristo, ornada de pedras preciosas e embaixo escrito: “Salvação do mundo”.
6. Quando o Cristo aparece nesse tipo de arte, ele está em vestes reais e sacerdotais, com olhos abertos, sem nenhuma sombra de sofrimento, mas majestoso e vitorioso e sem coroa de espinhos. Assim queria corresponder às palavras de Jesus: “Quando eu for exaltado atrairei todos a mim” (Jo 12,32).
7. Os tempos modernos, já desde a arte gótica vai se definido uma outra representação da cruz mais marcada pela expressão da dor, do sofrimento em representações com uma cabeça que agoniza sob uma coroa de espinhos e um corpo profundamente chagado. Diante de algumas dessas expressões ou se adquire a fé e a perdemos de vez. Não se pode manter-se indiferente.
8. Esses dois modos de representar trazem à luz um aspecto verdadeiro do mistério. O modo dramático, realístico, doloroso – representa a cruz vista de frente em sua crua realidade. Como símbolo do mal, do sofrimento do mundo e da tremenda realidade da morte. Aquilo que produz a cruz: o ódio, a maldade, a injustiça, o pecado.
9. Já o modo antigo de representá-la, trazia à luz, não as causas, mas os efeitos da cruz; não aquilo que produz a cruz, mas aquilo que é produzido por ela: reconciliação, paz, glória, segurança, vida eterna. Aquilo que Paulo define “glória” ou “orgulho” do crente.
10. Os antigos eram conscientes do sofrimento de Cristo, mas pela fé, sabiam melhor que os modernos, que para além do sofrimento havia o êxito final, os frutos que brotavam dela. Por isso a nossa festa se chama ‘exaltação’ da cruz, porque celebra exatamente esse aspecto ‘exaltante’ da cruz.
11. Certamente não nos escapa, em nosso tempo, as tantas cruzes pesadas e dolorosas, nossas e tantos outros irmãos e irmãs nossos. Tudo nos é difícil, no momento da prova, e pensamos no Cristo sofredor e nos apoiamos nele, mas é preciso também olhar o aspecto vitorioso e glorioso de quem aprendeu a passar por ela.
12. Há quem fique preso na cruz dolorosa, sem contemplar o Cristo ressuscitado, glorioso, feliz e sereno. Quantos não vivem presos no seu luto, sem um olhar de esperança?
13. Na Páscoa, saudamos à Virgem Maria dizendo-lhe: “Rainha do céu, alegrai-vos, porque aquele que trouxeste em vosso ventre, ressuscitou, como disse...”. Que pelo mistério da Cruz que hoje celebramos se reacenda sempre a certeza, a esperança, da vitória final.
* com base em texto de Raniero Cantalamessa
Pe. João Bosco Vieira Leite