(Jl 2,12-18; Sl 50[51]; 2Cor 5,20—6,2; Mt 6,1-6.16-18).
1. Nossa liturgia se
abre com esse forte clamor do profeta Joel. Ele entende que a praga de
gafanhotos que havia assolado suas terras era uma espécie de castigo divino diante
dos pecados do povo. Por vezes, alguns eventos parecem acionar em nós um estado
de consciência de que nos afastamos da comunhão com Deus. Provavelmente Deus
não provocou o evento, mas serviu para nos despertar.
2.
A quaresma é também um despertar não só para um afastamento ou alguma situação
de acomodação que ameaça a minha fé. Esse tempo quer nos despertar para um
sentido maior da nossa fé que é o mistério da ressurreição de Cristo e nossa.
Na transitoriedade do tempo que passa, e nós com ele, algo maior nos é
prometido.
3.
Tudo isso vem com um forte apelo de retorno a Deus, às nossas raizes da fé.
Jesus nos ensinou que Deus é como um pai que, quando ensaimos passos de
retorno, já nos espera de braços abertos. Se num passado distante, antes de
Jesus, Davi teve a coragem e a confiança de reconhecer suas faltas e voltar,
muito mais razões temos nós que conhecemos a graça de Cristo.
4.
Por isso Paulo reforça o convite e nos diz do nosso hoje, agora é tempo favorável
de voltarmos ao Senhor. Assim também nos diz a Igreja em sua liturgia
quaresmal. Por que protelar tal decisão? Quanto tempo julgamos ter nessa vida?
Por que caminhar fora de Sua companhia?
5.
Numa linguagem particular aos seus ouvintes, Mateus nos recorda que a nossa
filiação divina revelada em Jesus exige de nós uma comunhão com Deus que passa
através de três exercícios para o tempo da quaresma e de toda uma vida.
6.
A esmola, a caridade, a solidariedade, a partilha e a atenção às necessidades
do outro aparece como primeiro gesto de identificação. Lucas lembra a
gestualidade do bom samaritano.
7.
A oração é um exercício que podemos encontrar na multiplicidade de expressões
em todas as religiões. Mas todas elas querem dizer uma só coisa: é preciso
manter contato, comunicação, comunhão com Aquele que nos transcende. Ela pode
vir cheia de necessidades ou de agradecimentos ou de mero entretenimento com
quem buscamos proximidade, buscamos saber como é seu coração e o que deseja de
nós.
8.
A antiga prática do jejum foi se repaginando ao longo da história, mas sempre
lembrando ao ser humano que é possível viver sem certas coisas, pois outras são
imprescindíveis. Para Jesus era imprescindível demonstrar o amor que Deus tem
pelo ser humano com suas ações; todas elas partiam de sua comunhão com o Pai e
quando precisou passar por privação de algo, até de sua própria vida, sabia que
era por uma causa maior.
9.
Assim, em meio a esses exercícios que a quaresma nos propõe, lembremos que é
algo que deve ser decidido e vivido entre Deus e eu, mas tem como fim também a
minha relação com outro. Se conseguirmos montar esse quebra-cabeça podemos
entender o apelo de cada Campanha da Fraternidade nesse tempo particular.
10.
No cartaz desse ano temos um grupo de pessoas de idades e etnias diferentes
representando a multiplicidade da sociedade brasileira, de mãos dadas querem
nos lembrar que a superação da violência, tema desse ano, só será possível a
partir da união de todos , de um pacto firmado em agir para combater a cultura
da violência e resgatar uma cultura de tolerância e de paz.
11.
A nós cristãos o apelo bíblico de Jesus nos recorda que somos todos irmãos, sem
esse reconhecimento como podemos chamar a Deus de Pai? Essa é a proposta de
reflexão que acompanharemos. Abramos o nosso ouvido e coração para compreendermos
que a violência é inaceitável como solução para os problemas, que a violência
não é digna do homem.
Pe. João Bosco Vieira Leite