(At 15,1-2.22-29; Sl 66[67]; Ap 21,10-14.22-23; Jo 14,23-29)
1.
Estamos à dois domingos da Festa de Pentecostes e já temos uma menção ao Espírito
Santo no Evangelho de hoje. Jesus está se despedindo dos seus discípulos e lhe
promete enviar o Espírito, como sinal da sua contínua presença entre nós.
2.
O Espírito Santo, esse desconhecido, esse esquecido, esse ‘parente pobre’ da
Santíssima Trindade, adquire toda a sua importância decisiva de protagonista
justamente quando vem esquecido. Paradoxalmente nos damos conta d’Ele, quando
não está.
3.
Quando o Espírito Santo não está presente assumimos uma atitude de defesa, nos
refugiamos na sacristia, levantamos muros para proteger-nos contra o mundo
externo. Vemos inimigos por toda parte. E assim evitamos a entrada desse
‘sopro’ do Espírito, que seria fator de perturbação dessa paz aparente.
4.
Quando o Espírito não está presente se criam oposições arbitrárias,
irredutíveis entre realidades que deveriam estar harmonizadas: o dever político
e a contemplação. O sacro e o profano, a Igreja e o mundo. Tradição e
renovação. Autoridade e responsabilidade. Oração e amor ao próximo. O Espírito
é princípio de unidade.
5.
O Espírito é a alma da Igreja. Quando se descuida da alma, para conservar a
coesão, se reforça a carcaça. Ficamos presos às estruturas. Nos preocupamos
mais com elas do que com as pessoas. Com as normas do que com a vida e a
alegria de viver.
6.
E assim, por essa ausência, se proliferam as leis, a regulamentação, as normas
detalhadas. Substituímos o ‘sopro’ original pelos códigos. Com menos presença
do Espírito, vem em primeiro plano a ordem e a disciplina exterior. A
uniformidade dos comportamentos se sobrepõe a verdadeira unidade dos corações
em Cristo.
7.
E poderíamos acrescentar ainda mais coisas, mas creio que isso já seria
suficiente para intuirmos e sublinharmos a gravidade e a dramaticidade de Sua
ausência. E assim se faz necessário e urgente abrir às portas a esse
‘Desconhecido’ cuja presença se faz sentir quando está ausente.
8.
Jesus fala da presença do Espírito em termos de memória e fantasia.
“O Espírito vos recordará tudo que vos tenho dito”; e mais adiante: “Muitas
coisas ainda tenho a dizer, mas no momento não sois capazes de suportar. Quando
vier o Espírito da verdade, ele vos ensinará toda verdade... e vos anunciará as
coisas que virão” (16,12-13).
9.
O Espírito nos faz olhar para trás para recordar, mas nos obriga a olhar para
frente, para inventar, para antecipar. A memória não pode acomodar-se no
passado num sentido nostálgico. Deve fazer que o passado reviva no presente e
prepare o futuro. A memória não deve tornar-nos escravo do passado, mas livres
para o hoje.
10.
O nosso poder de conservação é rigorosamente proporcional à nossa capacidade de
renovação e de criação. A visão do passado é justa e necessária. É útil. Mas
deve ser operacional, não contemplativa.
11.
Um terreno incapaz de fazer germinar novas sementes é inadequado até mesmo para
conservar e alimentar as plantas que já possui. Para salvar o presente, é
necessário garantir o futuro. A verdadeira importância do passado se demonstra
olhando o futuro. Se se ama verdadeiramente o passado, preocupemo-nos com o
futuro.
Pe.
João Bosco Vieira Leite