(Dt 30,10-14; Sl 68[69]; Cl 1,15-20; Lc
10,25-37)*
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Uma senhora, que levava uma criança pela mão, veio a cair desmaiada na estação
do metrô. Foi levada a uma enfermaria. No meio da confusão, a criança quase foi
esquecida. Uma jovem a pegou no colo enquanto a mãe era medicada. E ali ficou
até que retomasse os sentidos. Nesse ínterim, procurou acalmar e distrair a
criança. Devolveu-a a mãe. Ao se despedir perguntou-lhe se queria que
telefonasse para algum parente ou amigo para vir buscá-la. A senhora, então,
lhe respondeu: - ‘Eu não tenho ninguém!’.
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Não ter ninguém é o mesmo que não ter alguém pela gente. Sem nenhuma pessoa que
se interesse pela gente, não ser importante para o outro.
1.
No nosso Evangelho, logo percebemos que a preocupação do mestre da Lei está no
fazer. Jesus faz que entenda que o principal é o ser, o resto é consequência.
Na palavra de Nosso Senhor, o amor a Deus não está longe do amor ao próximo,
mas em íntima conexão, tanto assim que se fundem.
2.
O amor ao próximo deve deitar raízes no amor a Deus, do contrário corre o
perigo de esgotar-se. Perguntava-se à madre Teresa de Calcutá por que ela e
suas irmãs se impunham tantas horas de oração, após um dia inteiro dedicado aos
pobres e doentes.
3.
Ela respondeu que justamente da familiaridade com Deus buscava força para
servir os marginalizados, superar o cansaço e a repugnância, como também a
ingratidão.
4.
Separada do amor de Deus, a filantropia se irrita e desanima ao verificar que
nem sempre o serviço ao próximo é gratificante. A filantropia acaba perdendo de
vista a verdadeira dignidade do ser humano, as motivações profundas da sua
dedicação.
5.
Cristo não toma partido nas longas discussões sobre o raio de atingimento do
termo ‘próximo’. Não se perde em determinar se se reduz aos familiares de casa
ou se estende até o pagão convertido ao judaísmo, passando pela graduação dos
amigos, vizinhos e compatriotas. A interrogação gira sobre a indicação do
‘próximo’.
6.
Jesus apresenta uma contra pergunta, a qual inverte os termos da conversa,
apontando não mais quem deve ser o objeto do amor, mas quem é o seu sujeito.
Não se trata de saber quem é o meu próximo, mas de quem eu sou próximo? De todo
aquele se aproxima de mim ou de quem eu me aproximo. A parábola do
samaritano é a concretização do amor ao próximo: doação.
7.
O amor é bem característico. Não se confunde com o gostar, o qual implica um
tipo de sentimento que se volta sobre si. Não é pura simpatia: esta seleciona
os amigos em função de si. É mais do que solidariedade, porquanto esta é
abstrata e não compromete.
8.
Mais imperiosa do que a afinidade racial, nacional e religiosa, é a necessidade
da ajuda. Sou o próximo para o outro quando me coloco no seu lugar, fazendo-lhe
o que faria por mim ou para um ente querido nessas circunstâncias.
9.
São 27 Km que separam Jerusalém de Jericó. É uma estrada que avança por regiões
escarpadas e desertas. Sua situação se presta para covis de assaltantes. Foi
chamada de passagem sangrenta. Provavelmente o sacerdote e o levita se
perguntaram: ‘Se eu parar, o que será de mim?’ O samaritano se fez uma pergunta
diferente: ‘Se eu não parar, o que será do homem ferido?’.
10.
Para prestar auxílio, corre-se o risco de renúncias pessoais: gasto de tempo,
abalo de posição, mal-entendidos, sacrifício de comodidade, etc. Mas o
essencial no preceito do amor é sair de si mesmo.
11.
O samaritano fez a caridade por inteiro, não deixando nada para trás. Desde sua
aproximação do ferido até a providência para gastos ulteriores, sua dedicação
foi total. Nada teve de façanha heroica, apenas fez o necessário para salvar
uma vida.
12.
A atenção, eis o que se revela como condição de um amor concreto: estar atento
para perceber o que é útil para aquela pessoa, naquele preciso momento de sua
indigência. O samaritano não se restringiu ao indispensável, foi mais longe.
A caridade é o que se acrescenta à justiça.
13.
Cristo é o Bom Samaritano. Se doou a todos, socorrendo principalmente os mais
necessitados. Sua doação foi arriscada: pôs-se ao lado dos mais fracos. Não deixou
nada para preencher em sua doação: deu-se até a morte na cruz. Quando alguém
recorre a nós, nesse momento somos Cristo para ele. O que estende a mão para
nós, representa Cristo.
(reflexão retirada do livro “À
escuta de Deus” – Frei Paulo Gollarte - Vozes)
Pe.
João Bosco Vieira Leite