16º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Gn 18,1-10; Sl 14[15]; Cl 1,24-28; Lc 10,38-42)*

1. As exigências da vida moderna obrigam-nos a correr a um ritmo estonteante e fazem-nos deixar para trás coisas fundamentais. A Palavra de Deus que a liturgia deste domingo nos propõe convida-nos a redescobrir as prioridades e valores que tornam a nossa vida mais humana e mais cheia de sentido.

2. A 1ª leitura propõe-nos o exemplo de Abraão, o homem que não se importa de gastar tempo com o “outro”. Quando aparecem junto da sua tenda três visitantes inesperados, Abraão acolhe-os, prepara-lhes um banquete, oferece-lhes o que tem de melhor.

3. Em cada pessoa que nos “visita”, é Deus que vem ao nosso encontro. O tempo que gastamos a acolher e a cuidar dos nossos irmãos é um tempo que enche de significado a nossa vida. Podemos aprender também que o divino sempre se apresenta por surpresa em nossa vida.

4. Embora tal não seja afirmado abertamente, fica no ar a ideia de que o dom do filho é a resposta de Deus à atitude hospitaleira de Abraão. Deus recompensa o seu servo Abraão pela sua bondade, pela sua solicitude, pelo seu amor gratuito.

5. A imagem de Deus que este texto apresenta é muito bela: o Deus de Abraão é um Deus que vem ao encontro do homem, que se detém junto dele, que aceita entrar na sua tenda e sentar-se à sua mesa, estabelecendo assim laços de família com o ser humano. É o Deus do diálogo e da comunhão, que se apresenta em nossa vida e que se dispõe a concretizar os sonhos e as aspirações humanas.

6. Como é que vemos as pessoas que, a cada passo, se cruzam conosco? Que valor lhes atribuímos? Vemos o “outro” – aquele ou aquela que Deus envia ao nosso encontro – como uma “prenda” de Deus ou como uma ameaça ao nosso bem-estar, à nossa segurança, ao nosso comodismo?

7. Assim a leitura nos prepara para o Evangelho, onde duas irmãs – Marta e Maria – acolhem Jesus na sua casa. Marta prepara para o hóspede uma boa refeição; Maria senta-se aos pés de Jesus, a escutar o que Jesus diz. São duas atitudes válidas, próprias do discípulo.

8. Muitas vezes, este episódio foi lido à luz da oposição entre ação e contemplação, com Marta representando a vida ativa e Maria a vida contemplativa. Mas a questão essencial que sobressai neste relato não é a “bondade” de um estilo de vida em detrimento de outro.

9. O que está em causa, nesta história de duas irmãs que acolhem Jesus na sua casa, é a definição da “atitude” do discípulo, de qualquer discípulo.

10. Há discípulos que, diante da urgência do trabalho apostólico, se envolvem completamente na ação, com generosidade e entrega; mas, absorvidos pela voragem do trabalho, deixam de ter tempo para se sentar aos pés de Jesus e para escutar Jesus; no meio da agitação que os envolve, perdem o sentido das coisas, deixam de perceber o rumo em que devem caminhar.

11. Assim, Lucas aproveita para sugerir que a escuta da Palavra de Jesus deve preceder a ação. A ação sem a escuta de Jesus torna-se mero ativismo que, mais tarde ou mais cedo, se esvazia de sentido.

12. Mais do que uma história de acolhimento ou de hospitalidade, esta narração parece ser, sobretudo, uma catequese sobre o discipulado. Quem é o verdadeiro discípulo de Jesus? Qual deve ser a preocupação primordial daquele que se dispõe a seguir Jesus?

13. É verdade que “a messe é grande e os trabalhadores são poucos” (Mt 9,37); mas nenhuma ação dará frutos consistentes se não assentar na escuta de Jesus, no encontro com a Palavra de Jesus.

14. Todos os discípulos – todas as Martas – necessitam de encontrar tempo para se sentarem calmamente aos pés de Jesus, para escutarem a Palavra de Jesus, para acolherem a paz que brota de Jesus, para redescobrirem o caminho que Jesus os convida a percorrer.

15. Os discípulos que vão com Jesus a caminho de Jerusalém e os discípulos que se dispõem a seguir Jesus em qualquer época da história devem estar conscientes disto.

* Reflexão com base em exegese dos padres Dehonianos (site português).

Pe. João Bosco Vieira Leite