(At 13,14.43-52; Sl 99[100]; Ap 7,9.14b-17; Jo 27-30)
1.
A mentalidade moderna tem uma certa dificuldade de entrar em sintonia com
parábola do pastor e do rebanho. Por vezes as imagens inspiradas pela mesma são
um pouco ‘adocicadas’, trazendo um Jesus loiro de cabelos encaracolados, olhos
azuis, bem vestido e com uma ovelha sobre os ombros.
2.
Alguns provam certa repugnância de sentir-se parte de um rebanho, ainda que
conduzido por Cristo. As ovelhas tendem a imitar umas as outras e parecem tão
somente servir ao pastor seja na tosa ou na carne.
3.
O rebanho traz a ideia de conformismo e nivelamento. A pessoa desaparece,
absorvida pela coletividade, até perder a própria identidade. Nietzche já
dizia: “A comunidade torna comum”.
4.
Mas tal fenômeno só é possível quando certas pessoas aceitam perder-se no
anonimato, de deixar-se absorver numa massa indiferenciável, de dissolver-se
num pleno conformismo, de caminhar de cabeça baixa. Certamente não era essa a
intenção de Jesus com sua parábola.
5.
Segundo o plano divino, a comunidade constituída pelo seu povo representa seja
a superação do individualismo (para ser você mesmo é necessário viver-com),
seja a superação do conformismo gregário (para viver-com é preciso conservar a
própria singularidade).
6.
A contribuição que o indivíduo traz ao ‘rebanho’ (grupo) deve ser uma
contribuição pessoal, dinâmica, inteligente. Que é o oposto do ‘dissolver-se na
coletividade’.
7.
Não se trata de seguir, mais ou menos passivamente, o movimento geral; um certo
conformismo esconde uma indiferença, uma preguiça ou um certo medo que lesam
efetivamente a comunidade. Esta só é rica pela contribuição dos seus membros.
Ao não contribuir com o todo, eu também me empobreço.
8.
Diz um autor (A. Motte): “O céu não é um sono hipnótico coletivo de uma
multidão anônima onde cada um está fora de si. Ou mesmo um pasto onde cada um
senta-se numa pequena mesa distante uns dos outros. Não. É um concerto onde
cada um tem sua própria voz, insubstituível. E onde as vozes que participam se
chamam, se completam e se sustentam umas às outras”.
9.
A sinfonia tem necessidade da minha voz pessoal. Se me recuso, permaneço só,
pobre, com a minha nota que resulta inevitavelmente fora do tom.
10.
Cristo é pastor, o verdadeiro pastor, enquanto representa o oposto do
‘mercenário’. De fato, ele dá a sua vida pelas ovelhas. Não as desfruta. Não as
instrumentaliza. Não as domina. Mas serve a elas.
11.
Por Ele somos conhecidos pelo nome, cada um tem sua importância, único aos seus
olhos, respeitado e amado no seu itinerário irrepetível. Ele não deseja que
assumamos atitudes passivas. Exige que nos comportemos como pessoas livres,
criativas.
12.
O seu cuidado pelo rebanho não é nivelador, mas personalizado. Corrigida assim
a imagem do ‘bom pastor’, nos resta admitir as nossas falhas em nossa relação
com Ele. É certo, caminhar não é fácil, viver em comunidade é sempre um
desafio, e especialmente quando nosso olhar está demasiado preso ao chão, sem
olharmos o Pastor que vai à frente. Precisamos reaprender a levantar a cabeça
para olhar a Ele, e vermos não somente o chão, mas estrada, o Caminho que é Ele
mesmo.
Pe.
João Bosco Vieira Leite